A LEITURA COMO LOUCURA
Angela Ramalho
Diz-se que o indivíduo é louco quando ele apresenta sinais de alienação, demência, comporta-se de forma absurda, contraria o bom senso, aparenta sinais de perturbação, causa transtornos, comete imprudências. Então, vocês hão de concordar comigo que pouca gente escapa de ser taxado como louco.
Minha parte aloprada que o diga! Falo sozinha, converso com a TV, rio sem motivo aparente. Com frequência cometo minhas insanidades e nem aí com a paçoca. Em relação à leitura, leio alto e como se não bastasse ainda comento o que leio. Onde já se viu o autor dizer isso? Que cara mais sem noção! E na maioria das vezes o “cara” fora até premiado com Jabuti. Azar de quem premiou, pois eu não daria a ele uma reles tartaruguinha, dessas que se compram em pet shops. Mas o cara era louco e me fez lê-lo e por leitura, toda loucura é válida.
A leitura como loucura me diverte. Costumo “abandonar” livros (embrulhados em papel de presente) “esquecidos” propositadamente em pontos de ônibus, em gôndolas de supermercados, em telefones públicos, caixas eletrônicos e percebo que quanto mais inusitado o local, mais me divirto.
Fico de longe, à paisana, como se fosse um poste. Morro de rir depois. Confesso que na maioria das vezes tenho que me segurar, para não cair em gargalhada. Primeiro a pessoa pega o pacote com o maior cuidado, como se tivesse ali dentro alguma “bomba” ou outro material explosivo que a colocasse em perigo. Descartada essa possibilidade, ela olha para um lado e depois para o outro, com olhos arregalados.
Algumas me perguntam: Foi a senhora que esqueceu? Não, quando cheguei aqui já estava, afirmo categórica. Então me olham com certa incredulidade, como a perguntar: E porque não o pegou? Ah, imagina se uma senhora distinta como eu pegaria algo que não lhe pertence!
Algumas pessoas colocam rápido o pacote dentro da bolsa (antes que chegue o dono!), fecham o zíper, penduram no ombro esquerdo e, com o braço dobrado apertam a bolsa contra o corpo, “reforçando” sua segurança. Depois fazem cara de paisagem, como se nada tivesse acontecido. Só em casa vão saber do que se trata. Outras abrem o pacote ali mesmo e ao ver que é um livro, ficam surpresas. Olham a capa e... (outra surpresa): Quem é essa tal de Angela Ramalho? “Nunca ouvi falar”. Ô falta de informação! Olha no Google, minha filha.
Mesmo não sabendo de quem se trata, resolvem dar uma chance. Pulam o prefácio (bastante extenso) e ali mesmo leem a primeira crônica. Riem muito. Coincidentemente uma delas trajava vestido preto. Será que vou dar azar? Até eu ri.
“Bem louca essa Angela Ramalho, vou ler” disse a mais afoita. No que as demais retrucaram: Não, eu também quero! É meu! Mas fui eu que achei! E então se travou uma verdadeira disputa pelo livro, que quase me fez deixar ali mais dois exemplares. Pensei melhor e achei que ia dar muito na cara. Venceu a guria que me chamou de louca, com a promessa de emprestar o livro depois às outras duas.
Bem louca essa Angela Ramalho, vou ler! Adorei ouvir isso! E você, que acaba de ler essa crônica, tá esperando o quê? Corre lá no ponto de ônibus! Quem sabe tem um!
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