PATRÍCIA é jornalista e assina POETA. Eu sou ANGELA, Pedagoga e assino RAMALHO (o que não deixa de ter também a sua poesia). Fico pensando como seria divino assinar "Poeta" depois do nome. Até fiz uma poesia sobre isso! Esse blog é um espaço onde brinco com as palavras, fazendo aquilo que gosto. E o que eu gosto mesmo é de fazer poesias! Portanto, embora não seja PATRÍCIA, eu sou POETA!

domingo, 5 de agosto de 2012

CRÍTICA LITERÁRIA - LIVRO "DE ABRAÇOS & CHEIROS"



De Abraços & Cheiros - Angela Ramalho
O mais novo livro de Angela Ramalho “De Abraços & Cheiros”, cujo lançamento acontece dia 17/08 na 22ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, é um livro de crônicas, que sai com o selo Scortecci / REBRA (Rede de Escritoras Brasileiras), da qual a autora faz parte.

A crônica tem suas leis, não deve ser muito profunda, ou prolixa, porque corre o perigo de resvalar para o ensaio, ou não encontrar leitores. Se superficial demais não desperta interesse ou confunde-se com nota social vazia, gratuita. Tem que dizer muito com poucas palavras, sobretudo, não pode pesar. 

E Angela é bem sucedida, circulando com naturalidade, borboleteando sobre os assuntos, muitos, de que se ocupa: seu status de pessoa integrada, o trabalho, os grandes temas da vida, o amor, as perdas, uma leve filosofia. 

O olhar sobre a família revela a ternura pelos pezinhos infantis da Júlia e as havaianas que ela calçará; fala sobre a esperança, e a capacidade de dar a volta por cima das desilusões; partilha conosco engraçadíssimo caso de um vestido preto, como diz: um pretinho elegante- que dá azar nos casamentos; a beldade que o veste não deve mais usá-lo, pois causa o fracasso da união conjugal, em cuja festa brilhou. 

Com muito humor conta de sua batalha por causa da rosa que o cantor badalado lhe atira e que seria um troféu, se não tivesse sido despedaçada por muitas outras mãos. 

Reflete sobre as avós modernas, que já não fazem tricô, sentadas nas cadeiras de balanço, que, libertas do estigma, são agora peças confortáveis de decoração. 

Lembra uma deliciosa história de dois copos com emblemas de clubes de futebol, e que pontuavam uma relação a que dava tanta importância. Ao acabar-se, e devolver os restos do amor, diverte-se com o fato de toda a mudança dele caber num sacola plástica de mercado! 

A importância da química no relacionamento físico de duas pessoas inspira outras reflexões e lembranças: cultiva um amor antigo, mas de realização impossível, devido ao relógio do destino que marcou horários diferentes para os dois personagens, revelando a excelência que reveste o sentimento por aquele que a sorte afastou; veem-se, mas não se podem entender- talvez por isso mesmo, quem sabe, o destino, sábio, preservou o romantismo, deixando o sentimento no plano ideal da não realização? Quem pode dizer se o desejo, uma vez realizado não destruiria o encantamento? 

Nas entrelinhas uma constatação: costumamos dar importância indevida a coisas e pessoas que parecem ser tão preciosas- diz, e de um momento para outro perdem todo o valor! O que tem a ver com a criação da persona- destruída numa rede de relacionamentos por não se sustentar nas pernas curtas da mentira, exigência da sua ética de elegância e verdade. 

A indignação sincera faz o seu posicionamento contra a deturpação a que a Internet levou o sermo usualis que os jovens deveriam usar, mostrando desconhecimento e desapego ao maior patrimônio que se tem: a língua pátria. Admite a criatividade nas metáforas inusitadas e jargões de grupos, mas entende que as escolas deveriam pensar seriamente no fenômeno. Afirma que o papel da escola se dissolve, ao transcrever exemplos do barbarismo das deformações utilizadas nos contatos sociais. O papel social do escritor é patente no exercício da crítica aos sistemas. 

Felicidade tem freio? - eis um bom exemplo da habilidade com temas e palavras. Em outros momentos parece se deixar levar pela vida, como recomenda a canção popular e dar o mínimo valor às coisas materiais, seria melhor desligar-se do mundo, reitera, e ir olhar o dia que, a princípio cinza, de repente se transforma em colorido intenso, traduzindo o seu próprio mundo interior. 

O questionamento filosófico deixa-se traduzir na reflexão "a que viemos?" O momento de poesia fica disseminado em várias páginas, inverno- é um deles. E há muitos nesse texto. 

Vez em quando carrega o cenho e usa de muita seriedade, compondo verdadeiras obras primas, crônicas perfeitas, irrepreensíveis: De abraços & cheiros, (crônica que dá nome ao livro) é um exemplo disto, para além da eternidade- deveria ser utilizada como bandeira de alerta. É uma advertência para aqueles que não se dão conta de que o destino não espera, tudo está marcado para acontecer, e necessita-se aproveitar o instante para se dizer a uma pessoa que a ama. Não deixar para amanhã. 

É preciso passar a experiência adiante: em estado de graça e entre tantos ais- são bons exemplos dessa solidariedade humana, indicando as falhas do caminhar para quem vem logo atrás. 

A mulher–menina para de brincar e fala seriamente, autoajuda não ausente. O personagem é– outro exemplo interessante da experiência de tentar incorporar uma persona e vê-la quase criar vida, a ponto de apaixonar alguém que em relacionamento virtual não percebe o arremedo da criação. A consciência de ter ido longe demais fá-la eliminar a excrescência. Algo para pensar os limites da ética, até que ponto somos responsáveis pelas consequências de brincadeiras aparentemente inócuas? 

De um modo geral a marca desse conversar consigo mesma é a extrema leveza. Que não nos permite largar o livro enquanto não se chega à última página. Como uma obra de ficção. Como um romance bonito que vai nos legar algum sentimento de pertença àquele universo amável. 

Rejane Machado 
Escritora e Crítica Literária 
Professora de Língua Portuguesa e Literatura 
Doutora em Filologia Românica


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